Coautoria na Academia

Tempos atrás, a coautoria em artigos científicos costumava respeitar critérios simples e objetivos. Um deles era a ordem alfabética, em geral do sobrenome (como na academia internacional) ou do primeiro nome (comum no Brasil). Quando autores colaboravam em mais de um artigo, também era frequente que se alternassem os nomes dos que viriam primeiro. Quase todos, porém, pelo menos nas ciências humanas e sociais, seguiam a regra básica e, aparentemente, lógica: os que assinam um artigo são aqueles que de fato fizeram a pesquisa, coletaram os dados e escreveram o texto.

A situação tem mudado nas últimas duas décadas. As ciências humanas e sociais (tendo a Economia na liderança) têm incorporado cada vez mais um péssimo exemplo das ciências exatas e da natureza, que é o de tornar trivial a inclusão de nomes que realmente pouco ou nada colaboraram com a realização da pesquisa e do artigo que veicula seus resultados.

Hoje comento sobre uma das situações mais comuns em que isso ocorre, que é na relação entre orientadores de teses e seus orientandos. Um dos requisitos elementares para que um candidato obtenha um título de mestre ou doutor na academia é que o seu trabalho seja não somente original, mas também individual, no sentido de que a tese seja um esforço próprio do aluno, em seu longo e árduo aprendizado na condução de uma pesquisa de forma autônoma e independente. O papel do orientador é ajudar na definição do tema, indicar bibliografia, ler e comentar as inúmeras versões dos capítulos, e assim por diante. Mas em nenhum momento esse trabalho do orientador o torna coautor da tese, pois se assim fosse o princípio básico da individualidade na autoria não seria cumprido e o título de mestre ou doutor não poderia ser conferido ao aluno, sob pena de constituir fraude.

Da mesma forma, um artigo resultante de capítulo de uma tese é, por definição, de responsabilidade do autor da tese. Ao orientador cabem os agradecimentos de praxe na nota de rodapé, ao lado de outros que colaboraram com a pesquisa realizada. A entrada do orientador como coautor somente é legítima quando, a partir do trabalho original realizado pelo aluno, a pesquisa é estendida e o supervisor da tese colabora diretamente com a produção de novos resultados e com a redação de um novo texto.

São essas, em resumo, as práticas convencionais que sempre orientaram a produção acadêmica e a relação entre orientadores e orientandos (mais uma vez, pelo menos nas ciências humanas e sociais). Eram regras não escritas, informais, mas suficientemente poderosas para que fossem seguidas por todos.

Recentemente, no entanto, a prática cada vez mais comum tem sido bem diferente. Orientadores tornam-se coautores magicamente a partir da data da defesa, em trabalhos que são integralmente reproduzidos de capítulos da tese, sem qualquer elaboração ou desenvolvimento adicional. Às vezes, os artigos recebem o mesmo título da tese recém-defendida, com a diferença agora que ela, a tese, possui mais de um autor. Geralmente os orientadores aparecem como segundo autor, mas outros, possivelmente entendendo que isso indicaria uma posição secundária na autoria ou a própria revelação da sua condição de orientador, vão mais além e reivindicam a posição de primeiro nome na autoria do artigo.

O curioso é que, conforme a prática se dissemina, os próprios alunos, que passaram anos se esfolando na pesquisa da tese, aceitam e até ficam lisonjeados com a inclusão do nome do orientador no capítulo que se transforma, de forma literal, em artigo. De sua parte, o orientador obtém a sua maior recompensa com o abandono das convenções acadêmicas tradicionais: infla seu currículo, o que vai se traduzir em posições, recursos e notoriedade.

E assim caminha a nova academia.

Deixe um comentário